TESTAMENTO DE FIALHO DE ALMEIDA

 

José Valentim Fialho de Almeida, médico, viúvo de D.ª Emília Augusta Garcia Pêgo, proprietário, residindo alternadamente na Cuba e em Vila de Frades, filho legítimo de Valentim Pereira de Almeida e de D.ª Mariana da Conceição Fialho de Almeida, e natural de Vila de Frades. Faço o meu testamento na forma que segue e declaro que este derroga as disposições dos anteriores, caso algum apareça. Faço-o em plena posse das minhas faculdades intelectuais e morais e para que à risca se cumpra como garantem as leis do país. Declaro que por morte de minha mãe, não fiz partilhas com o meu único irmão sobrevivente Joaquim Tomás Fialho de Almeida, pois ele, por sua enfermidade, não se sabe administrar e tem vivido sempre sob a minha guarda e protecção. À data da minha morte, deverão os meus testamenteiros partir em duas partes iguais (se eu a esse tempo o não tiver feito e acordado com o dito meu irmão) os bens que constituíam a casa de Vila de Frades, ou herança de meus pais: uma parte, que fica pertencendo a meu irmão, e onde entrarão a casa da residência de Vila de Frades e a adega da mesma vila, e outra que me pertence, e será toda reduzida a dinheiro, e este junto ao produto de outras vendas, formando monte como adiante direi. Tudo o que à data da minha morte exista na dita casa de residência de Vila de Frades, declaro que pertence a meu irmão, excepto todos os livros, jornais, colecções ilustradas, e papéis que sejam encontrados nos meus quartos, em armários, estantes, gavetas ou quaisquer escaninhos, que tudo os meus testamenteiros recolherão cuidadosamente, juntando-os aos livros e papéis da casa da residência da Cuba, e dando-lhes o destino que adiante indico. Também uma cabeça de bronze que está no meu escritório de Vila de Frades (se ao tempo lá estiver) será trazida com os livros para ter o destino que direi. Os bens que, extraída a parte que foi herança de meus pais, restarem da minha fortuna constituem o que chamarei casa de Cuba. A casa de Cuba consta de todos os bens herdados de minha mulher, e mais dos que depois, com as minhas economias, fui adquirindo. Consta essa casa de terras, olivais, casas e vinhas no concelho de Cuba; de uma herdade chamada "Montinhos Velhos", na freguesia de Selmes e de uma outra chamada "Antas de Cima", com vinha, olival, montados e terras de semeadura, na freguesia de Vila Alva. Quero que à data da minha morte aquela casa de Cuba seja assim distribuída. Deixo o olival, vinha e terras de Val Rocim ao meu feitor Joaquim Inácio Galinha, e mais do apuro da venda das minhas propriedades, lhe darão quatrocentos mil réis. Deixo à minha governante Gertrudes da Conceição Carapêto, viúva de Porfírio Chouriço, a minha casa de residência de Cuba, com todos os seus anexos e dependências, inclusivé a parte moradia que anda arrendada a estranhos, com tudo o que tenha dentro ao tempo, excepto géneros agrícolas vendáveis, como cereais, vinhos, aguardentes (que tudo isto será vendido e o dinheiro junto ao monte resultante da venda dos outros bens), e excepto também todos os livros, papéis, jornais, colecções ilustradas de revistas e bilhetes postais que existirem nas gavetas, estantes, malas e caixotes dos meus quartos, tudo isso os meus testamenteiros recolherão e juntarão aos livros e papéis de Vila de Frades, como atrás disse. À mesma Gertrudes da Conceição Carapêto darão três contos de réis do produto da venda dos meus bens. Deixo à sua irmã Francisca Carapêto, que com ela em minha casa vive, e me tem servido, duzentos mil réis em dinheiro. Deixo a meu irmão Joaquim Tomás Fialho de Almeida, em usufruto enquanto vivo for, a minha herdade "Montinhos Velhos" na freguesia de Selmes, e por sua morte passará a propriedade da mesma herdade a Maria Teresa Bico, filha de Manuel Bico e Bernardina Marques, que vive com meu irmão e com ele foi criada. Ao dito meu irmão, deixo o usufruto vitalício de quatro contos de réis, do produto da venda dos meus bens, e com esta quantia os meus testamenteiros lhe comprarão inscrições, que em seu nome serão averbadas, em usufruto, e por morte dele passará a propriedade daquela quantia ao Hospital da Vidigueira, com obrigação de tratar de graça os doentes pobres de Vila de Frades que lá se queiram acolher. Todos os mais bens da minha casa de Cuba, inclusivé a minha herdade das ''Antas de Cima" e seus anexos de vinha e olival, serão vendidos pelo maior lanço, e o seu produto, junto ao dos bens de Vila de Frades, será distribuído pelos encargos que já ficaram estabelecidos, e mais pelos seguintes. Deixo dez contos de réis em dinheiro, à câmara Municipal da Vidigueira para que esta faça construir na freguesia de Vila de Frades duas escolas primárias, uma do sexo masculino e outra do feminino, em sítio amplo e desafogado, cercadas de jardins e gradeamento, construídas de pedra e cal, e com cantarias em janelas e portais, e suficientemente amplas, e nunca do modelo Bermudes de que há no Alentejo deploráveis exemplares. Estas escolas sitarão juntas, ou próximas, no mesmo cercado de jardim ou parque, e terão o título de "Escolas Fialho de Almeida" - "sexo masculino" - "sexo feminino" - sobre as portas, e mobiladas com mobiliários modernos em vista dos últimos adiantos pedagógicos; e se sobrar dinheiro da construção e mobilamento, a Câmara Municipal criará prémio ou prémios com as sobras, para serem dados aos alunos mais distintos. Aos meus testamenteiros lhes peço que, por patriotismo, fiscalizem a obra e obtenham que seja uma coisa sólida, ampla, útil e durável. Deixo cinco contos de réis à Câmara Municipal de Cuba para a construção de uma creche em sítio desafogado, e que seja uma obra de pedra e cal com cantarias nos portais e todos os adiantamentos modernos, e sobre a porta tenha o título "Creche Emília Garcia Pêgo". Deixo à Santa Casa da Misericórdia de Vila de Frades, todos os foros que me são pagos na freguesia da Vidigueira. Os meus papéis e todos os livros, colecções, jornais, cadernos, etc., que forem achados nos meus quartos de Vila de Frades e Cuba, serão logo entregues a Xavier Vieira e lhe ficarão pertencendo. Todos os meus livros nacionais e estrangeiros, em brochura ou encadernados, os lego à Biblioteca Nacional de Lisboa com todas as estantes que haja na casa de Cuba e Vila de Frades, se a administração da biblioteca as quiser levar. Devem examinar todas as malas e gavetas onde poderão estar livros guardados. Os papéis manuscritos, cadernos de apontamentos, jornais, brochuras, etc., onde venham artigos meus, serão minuciosamente examinados por Xavier Vieira e António Maria Teixeira, inutilizando-se os apontamentos e papéis que só a mim interessem, e ficando a matéria publicável pertencendo a António Maria Teixeira que dela fará o que quiser. A este meu amigo lego também a propriedade de todos os meus livros, publicados ou em projecto, para que faça edições e disponha como entender. Espero que ele nestas edições respeitará o meu nome, não publicando esboços informes, ou trabalhos incompletos, e realizando nos meus trabalhos literários uma obra de selecção, e nunca de exploração editorial, como é próprio da sua amizade por mim e do seu carácter. Deixo um conto de réis para a construção dum jazigo de família, em pedra de Estremoz, de construção sólida e durável, para o qual serão trasladados os meus restos, e bem assim os de meus pais, esposa e irmã, e onde se reservará lugar para meu irmão quando haja de acabar seus dias. Este jazigo será construído no cemitério de Vila de Frades, ou no de Cuba, à escolha dos meus testamenteiros. Sendo no de Vila de Frades, lego à Câmara Municipal da Vidigueira o encargo perpétuo de cuidar dele, e trazê-lo limpo e decente, em prémio do legado que lhe faço para escolas. Sendo no de Cuba, lego à Câmara Municipal de Cuba, encargo igual, em prémio do legado que lhe faço para a creche. O jazigo deve ser de capela, e ter gavetas laterais e nunca subterrâneas. Em Vila de Frades e na Cuba quero que dêm trinta mil reis em cada localidade aos pobres, como e quando os meus testamenteiros entenderem, e por minha intenção. Cada testamenteiro receberá quinhentos mil réis pelo seu trabalho, e mando que se dê ao meu amigo dr. Vicente Taquenho o crucifixo de bronze, de Soares dos Reis, que está no meu quarto da Cuba, e a Xavier Vieira a cabeça de mulher, de Teixeira Lopes, que está no meu escritório de Vila de Frades. Aqui declaro, posto fora do seu lugar, mais o seguinte: que todos os géneros agrícolas, como cereais, vinhos, aguardentes, azeites, etc., que se acham na minha adega e depósitos da residência de Vila de Frades, e os meus testamenteiros reconheçam que são para venda, e não para consumo caseiro, não pertencem por forma alguma a meu irmão, e serão vendidos a quem mais der, e o seu produto incluído no monte das mais vendas, para com ele se custearem os encargos e as despesas deste testamento. Mais declaro que a parelha de muares, e carro, e forragens de cevada e palha de aveias, que se encontram na casa de Cuba, devem ser entregues a meu irmão e assim toda a roupa de vestir do meu uso encontrada nessa mesma casa, para que lhe dê o destino conveniente. Caso à hora da minha morte haja dívidas minhas ao Banco Eborense, a Xavier Vieira, ou a quaisquer outras pessoas, devem os meus testamenteiros pagá-las escrupulosamente. No caso de cálculos meus errados, ou desvalorização dos meus bens, por qualquer cousa que faça com que o produto deles não chegue para a execução integral deste testamento, mando que primeiro se paguem as dívidas, e em seguida por ordem de importância, se custeiem os legados de meu irmão, governante, jazigo de família, feitor, logo após dando o produto das vendas dos meus bens, se cumprirão os encargos das duas escolas primárias e da creche, etc., e só em último caso, havendo remanescente, será ele distribuído como direi, aos meus dois afilhados e ao meu amigo Xavier Vieira, como em seguida determino. Mais mando: que o resto do produto da venda dos meus bens (se houver saldo, como disse) depois de pagos todos os encargos e dispêndios até agora mencionados, sejam distribuídos em partes iguais pelos meus afilhados José Valentim Teixeira, filho de António Maria Teixeira, livreiro em Lisboa, Alberto Júlio Carapêto, oficial de infantaria e filho de minha governante Gertrudes da Conceição e pelo meu amigo Xavier Vieira, natural da Cuba, residente em Lisboa, a quem tão boa amizade devo, e tantos serviços me prestou. Nomeio meus testamenteiros ao dito Xavier Vieira, e ao doutor Vicente Taquenho, médico na Cuba e proprietário, residente na Cuba, a quem suplico aceitem este último encargo, e o cumpram com paciência e rigor. E na falta de algum deles nomeio o meu amigo padre Joaquim Freire de Carvalho e Manuel Marques da Costa, médico na Cuba e meu velho amigo. E assim tenho concluído este meu testamento que desejo finalmente se cumpra, e dato de Cuba, a um de Março de mil novecentos e onze.

- José Valentim Fialho de Almeida.

 

Arquivo Histórico Municipal – Câmara Municipal de Cuba,

Fundo: Administração do Concelho, Registo de Testamentos – 1910-1911


(Organização do Texto – Francisca Bicho)